quarta-feira, 5 de setembro de 2007

As cidades, as serras e as tartarugas...


Tartaruga de duas cabeças completa 10 anos. O bichinho mora no museu de História Natural de Genebra, na Suíça. Seu nome é Janus, homenagem ao deus da mitologia greco-romana.
Sabe qual deus? aquele deus dos portais e transições, inícios e fins. Na verdade é associada a ele a mudança entre a vida primitiva e a civilização, o obscurantismo e a ciência, o campo e a cidade e as cerimônias de mudança durante as vidas dos mortais.

Agora... pega o gancho:

Vocês leram "As cidades e as serras"? de Eça de Queirós, o último de Eça...

Romance que cai na FUVEST, que tem como cenário o século XIX, Revolução Industrial, tecnologização... estradas de ferro, as primeiras experiências com aviões, eletricidade (aleluia... banhos quentes!), e o principal, o que garantiu a propagação e adesão da revolução: a imprensa, grandes mídias.
Bom, com esse contexto, o autor colocou dois personagens para mostrar, refletir, criticar, e ironizar (de maneira finíssima), o capitalismo...
O personagem principal, o protagonista... é o Jacinto, um cara que nasceu em berço de ouro, que no começo do livro exaltando a tecnologia... passa por um momento pessimista, depois bucólico... pra finalmente ser praticamente o pai do Fome Zero.
O narrador é o Zé Fernandes... um pequeno burgues, melhor amigo de Jacinto. Um cara que crítica, reclama, não faz nada pra mudar e ainda fica zoando quem toma alguma atitude...

Esses são os personagens principais. Bom, lembram da tartaruguinha de 10 aninhos e duas cabeças... então, imaginemos cada cabeça dela sendo um dos personagens do livro.

Quem leu o livro notou como os dois amigos eram inseparáveis, sendo assim uma ótima alegoria a tartaruga...
Imaginem uma cabeça amada e alimentada pelos pais, e a outra, do lado, sendo meio que ignorada, vivendo as custas de seus próprios esforços. A primeira, direita, será Jacinto. A segunda será o Zé.
A primeira cabeça adora a tecnologia; tecnologia e cultura vistas como índices de civilizidades dos povos, as ciências e técnicas delimitando potencias.

A segunda vive as mesmas coisas, afinal... tá grudada, só que está não é tão otimista, percebe como o capitalista deixa uns miseráveis para que outros possam esbanjar.

Devagarzinho, como toda tartaruga é... , a primeira cabecinha percebe que o mundo não é como o seu mundinho perfeito, e a segunda explica para ela que é culpa do capitalismo ferrenho. E a pobrezinha tartaruga rica entra no seu casco, fica pessimista, se sente mal... começa a ler filósofos com problemas existencialistas e tudo mais.

Até que é necessário que a tartaruguinha suba nas serras, sua propriedade, para levar os cascos de seus antepessados...

Perceba como Eça usa artifícios para levar o personagem a uma purificação, enterrando o passado e "renascendo" com outras perspectivas.

Enfim, a tartaruguinha rica arruma tudo pra ir para as serras, junto com sua amiguinha esquerda. Só que quando ele chega nas serras fica sabendo que suas coisas foram estraviadas, e as duas tem que subir sem nenhuma mordomia (imaginem se elas demoraram...)

Lá nas serras, a direita começa a exaltar o simples, vivendo uma vida bucólica... a esquerda acha contraditório e diz que Jacinto, digo, a cabeça direita era sem noção... irnonizando de maneira implícita, já que ele nunca bateria de frente (uma que as tartaruguinhas estavam com a cabeça uma do lado do outra, e também, não seria interessante para Zé Fernandes... a esquerda, perder de andar com alguém de mais posses: era lucrativo e mais confortável para ele!)

Observou como o autor brinca com esses conceitos que dominavam Portugal, e a Europa num geral. A idéia de que civilização é sinônimo de tecnologia, cultura sinônimo de ciências e técnicas... e que civilizações que não cultuam isso seriam inferiores... como eram julgadas as culturas africanas e indígenas.

Vale lembrar também, que a escola literária da época era o realismo/naturalismo... em Portugal isso não era tão divididinho como foi aqui no Brasil.
Voltando as tartarugas... a direita percebeu que o capitalismo não perdoa nem suas terras, as serras... lá existindo também miséria, aqueles que trabalham muito e não ganham nem para o próprio sustento. Então, decidiu fazer em suas terras um mini socialismo, onde todos trabalham de maneira honesta e justa, e ganham para viver com dignidade, todos!

A cabeça esquerda achou o cúmulo, dizia que era inútil, que o mundo não muda com essas pequenas atitudes... E essa é a grande sacada do livro:

Da onde deve vir a mudança??? das Elites (caridosas?), ou do povão, das grandes massas (insatisfeitas querendo revolução)???

Pegou a crítica? não se engane quando dizem para vocês que Eça de Queirós - que escreveu tantos livros revolucionários, com críticas ferrenhas - está pedindo desculpas com esse livro, éle não tá querendo dizer que as grandes elites são boazinhas e generosas... ele tá mostrando como a sociedade é egoísta, e como a pequena burguesia não é a favor de mudanças. Além de zuar as grandes elites, dizendo-as alienadas!

As tartaruguinhas são duas faces de uma mesma moeda, ou de um mesmo casco... e assim como o deus greco-romano é representado com duas faces, uma olhando para o passado, outra para o futuro... os dois personagens do livro vivem um momento com perspectivas diferentes:

Jacinto exalta a tecnologia, o futuro... e depois faz revolulção nas suas serras, dando um jeito no hoje, mesmo que amanhã ele mude de idéia ou morra e a sua revolução não vá adiante...

Enquanto Zé Fernandes vive o presente olhando o passado, sendo pessimista... não querendo mudanças, não querendo viver como vivia antes.

Compreenderam?

O autor pretendeu criticar a futilidade predominante da época (que de certa maneira se figura até hoje) e as idéias positivistas que reinavam na Europa.

Gostou?
Ficou com dúvidas?
comenta aí então...

bjus pra vocês =D

2 comentários:

William Alves! disse...

Muito bom esse livro....na minha opinião,melhor que "O primo Basílio"!!!!!!!!!

Erika Cordeiro disse...

Ai ai viu...so a Vanessa mesmo,pra conseguir comparar a tartaruguinha com o livro.Mas eu gostei ^^
Como você é uma pessoa inpirada,
posta alguma coisa relacionada com historia e geografia que infelizmente eu não gosto muito mas acaba despertando a curiosidade com suas comparações.
BjOs =**